Ad Home

Últimas

Opinião: A regra 50+1 deve, sim, continuar no futebol alemão! Veja os argumentos

Por Vitor Rawet
@vitor_rawet

Já saindo de cima do muro de uma vez, adianto que acho que o melhor para o futebol é manutenção da regra 50+1. Mas como bom debatedor, farei antes o papel do advogado do diabo para depois contra-argumentar.

LEIA TAMBÉM: Entenda tudo sobre a regra 50+1, a posição dos clubes e das torcidas

Os principais argumentos de quem quer acabar com a regra:

1) A competitividade da Bundesliga em relação às outras ligas

Que a Bundesliga está atrás da Premier League, não há o que se discutir. O relatório recente da consultoria Deloitte mostrou que há apenas três clubes alemães (Bayern, Dortmund e Schalke) entre os 20 mais ricos do mundo, enquanto são oito os ingleses nesse espaço. A força de Real Madrid e Barcelona também coloca La Liga a frente do Campeonato Alemão na preferência da maioria dos torcedores.

Em termos da qualidade dos jogadores, basta mostrar a dificuldade dos times alemães em manter as suas principais estrelas, perdendo-as para equipes de outros países. Olhando rapidamente para as última janelas e sem consultar o Google, me veio a lembrança Gundogan, Mkhitaryan, Dembele e Aubameyang no Dortmund; Sané, Höwedes e Kolasinac no Schalke; Chicharito, Calhanoglu e Son no  Leverkusen; De Bruyne, Perisic e Draxler no Wolfsburg; Xhaka e Christensen no Mönchengladbach; Firmino no Hoffenheim. Apenas o Bayern de Munique tem capacidade de segurar os seus principais jogadores (o que entra no segundo ponto).


Não por coincidência, apenas o Gigante da Baviera passou de fase na edição atual Uefa Champions League e nenhum(!) time de alemão foi capaz de se classificar para o mata-mata da Liga Europa.

Os defensores de que a regra caia acreditam que a possibilidade de investimento externo e controle dos clubes por parte das empresas irá permitir que esses tenham mais dinheiro em caixa, aumentando a capacidade não só da manutenção de bons jogadores, mas também a contratação de outros. Isso geraria melhores jogadores na Alemanha, o que atrairia mais publicidade, mais cotas de TV, mais investimento. O círculo virtuoso estaria garantido. A Bundesliga poderia competir com a Premier League, por exemplo.

2) O domínio do Bayern de Munique

A hegemonia do Bayern de Munique na Bundesliga dispensa qualquer necessidade de argumentação. Quase metade dos campeonatos realizados até aqui foram vencidos pelo time bávaro. Recentemente, esse domínio se acentuou com cinco títulos em sequência e mais um na iminência de acontecer. Se algo não for feito nesse sentido, o cenário parece se manter para as próximas temporadas.

Mais uma vez, o detratores do 50+1 creem que a partir do momento que essa imposição não existir, empresas se interessarão em colocar dinheiro em outros clubes e com esse capital a mais, haverá condição de disputa de igual pra igual no longo prazo. Não é por acaso que um dos candidatos que surgiu nos últimos dois anos para fazer a perseguição ao Bayern é justamente o RB Leipzig, um time que conseguiu "burlar" a regra, como explicado na parte 1 deste texto.

3) O poder de decisão cabe ao próprios clubes

Aqui entra um argumento que usa a democracia interna de cada clube como algo soberano em relação as regras da DFL. Os próprios clubes tem o direito de decidir se querem ou não manter a regra para si, sendo até antidemocrático que a entidade interfira nesse direito de decisão.

4) Há uma fuga de investidores para times de outros países por conta da regra

Como não é permitido que um investidor detenha a maioria de um clube, incluindo aí direito a voto, isso não permite que ele tome as decisões que julgar necessárias para o bom andamento do clube (ou seria do seu próprio investimento?).

Sendo assim, esse investidor prefere aplicar o seu dinheiro em um clube que ele tenha ampla autonomia para decidir como administrá-lo. Logo, como isso é permitido em países como Inglaterra, Itália e Espanha, clubes desses países tem maior poder de investimento.

O fim da regra quebraria com isso e atrairia o capital para a Alemanha, dando um condição melhor de competição de igual pra igual.

A contra-argumentação

Como já disse no início desse texto, sou a favor da manutenção da regra 50+1. Mas antes de argumentar o porquê, vale colocar um ponto.

O que me deixa em parte aliviado é que se (eu diria mais quando) a regra for mudada, não será nos mesmos moldes de Inglaterra, Espanha e Itália. Pela cultura da Alemanha, eu acredito qualquer empresa que queira ser majoritária no controle de um time, vai passar por uma auditoria provando ter capital suficiente para controlar o clube. Não vai ser qualquer aventureiro como vários times mundo afora. Casos como o de Manchester City e PSG, em que um país é o dono do time... Nem pensar na Alemanha. Ainda bem.

Sem assumir a possibilidade de forte regulação nas contas do clube que tiver uma empresa como acionista majoritária, nem vale discutir qualquer mudança na regra. Essa é a condição mínima. A partir daí até acho a discussão válida, por conta dos argumentos já colocados neste texto.

Mesmo assim, eu continuo sendo contra a mudança. Pra princípio de conversa, vale o clichê de que a torcida é o maior patrimônio de um clube.  É ela quem faz o clube existir - ou melhor dizendo - ela é a razão do clube existir. Se as torcidas dos times alemães em geral são contra a mudança na regra, já é o primeiro ponto para eu considerar fortemente a possibilidade de me juntar a elas na causa. Antes que usem o argumento de que torcedores não pensam racionalmente, vale o que está escrito acima: as torcidas na Alemanha são engajadas politicamente e ainda que a irracionalidade é inerente à qualquer torcida, quando eu vejo que elas defendem medidas que em teoria prejudicam o sucesso esportivo do clube - já que elas negam o investimento - isso me faz pensar que tem algo cultural por trás.

É nessa cultura que eu me apego para ser contrário a mudança na regra. Eu acredito que não só a torcida é o maior patrimônio de um time como também desejaria que ela fosse a dona do time. É exatamente isso que a regra dos 50+1 assegura: a propriedade de um time aos seus sócios. Isso pra mim vale mais do que qualquer título de Uefa Champions League.

Que fique claro, eu não sou contra o investimento. SÓ ACHO QUE O INVESTIDOR DEVE SE SUBMETER À VONTADE DOS TORCEDORES (SÓCIOS) DO TIME E NÃO O CONTRÁRIO. Se cai a regra dos 50+1, qualquer empresa que detenha essa maioria, ainda que bem intencionada e que preze pelo bem da equipe terá poder de decisão. Não, obrigado. Eu prefiro esse poder na mão dos sócios.

Por mais que alguém concorde com essa visão, pode argumentar contrariamente com o já citado fato do investidor fugir para outras ligas e assim enfraquecer a Bundesliga. Por esse motivo seria melhor a competição se adequar à essa realidade a abrir mão da cultura e do romantismo dos 50+1.

Aqui eu uso uma frase do filósofo indiano Jiddu Krishnamurti: "Não é sinônimo de saúde se adaptar a uma sociedade doente". Pois bem, tratando essa sociedade como o futebol, é fácil constatar que hoje ele está doente. E não acho que a solução seja ficar doente junto com o resto do mundo do futebol.   
 
Qual a solução então? O que eu gostaria era que as outras Ligas (incluindo a do Brasil, por que não?) também adotassem essa regra dos 50+1 ou que ao menos restringisse o investimento da maneira que é feito. NÃO É O FUTEBOL ALEMÃO QUE DEVE SE ADEQUAR À REALIDADE DO FUTEBOL ATUAL E, SIM, O FUTEBOL MUDAR O SEU JEITO DE SER. Nós estamos falando da Alemanha, amigo. Maior economia da Europa, quatro vezes campeã do mundo e a camisa mais pesada do futebol europeu. A melhor média de público do planeta. Não falta poderio político e econômico pra pressionar por mudanças em âmbito continental e mundial. Há terreno para a discussão ser no sentido contrário ao do "futebol moderno". Temos apenas que fertilizá-lo.

Ok, vamos supor então que outras ligas adotem o 50+1 como padrão ou ao menos reduzam a desigualdade hoje existente no futebol europeu. Ainda teria o problema do domínio do Bayern de Munique em âmbito local, já que sem espaço de investimento para as outras equipes, elas não teriam como se aproximar do Gigante da Baviera, que já conta com acordos de patrocínio infinitamente maior que os seus adversários.

Aqui a discussão que já não é simples ganha ainda mais complexidade. Por já ter uma grande torcida ao redor do mundo, conquista com muito sacrifício e gestões muito competentes ao longo dos anos, o Bayern de Munique sempre vai atrair mais empresas interessadas em patrociná-lo, o que irá lhes render sempre maiores contratos.

Obviamente eu não vou defender aqui que o Bayern simplesmente distribua esse dinheiro aos seus rivais para igualar as coisas. Mas algo que me vem é a cabeça é adotar o modelo dos esportes americanos. Eu não sou especialista no assunto, mas acho que seria bom colocar na mesa a possibilidade de um limite no teto salarial das equipes (isso teria que ser adotado em nível mundial, claro, já que de outra maneira o jogadores iriam para os países com maiores salários.

Mais uma vez a Bundesliga teria de ser vanguarda nesse processo). Apenas para exemplificar a disparidade existente, o Bayern de Munique tem mais do que o dobro da folha salarial do segundo colocado Borussia Dortmund (dados de janeiro de 2017).  Essa medida não poderia ser adotada da noite para o dia, mas é algo a se pensar para equilibrar as coisas no futebol a nível não só local, como mundial.

Enfim, estamos diante de um problema complexo e que não tem solução fácil. Diante das possibilidades apresentadas, eu fico com aquela mais romântica. Como diria John Lennon, "You may say I am dreamer, but I am not the only one".

Nenhum comentário